O Carro, Máquina do Diabo (1977)

O Carro consegue executar com louvor o que se propõem seus produtores: divertir e entreter o espectador por 90 minutos.
O Carro (1977)
Telefilme que se tornou clássico graças às exibições durante as madrugadas dos saudosos anos 80, O Carro, Máquina do Diabo segue a mesma linha dos roadmovies de horror/suspense iniciada com Encurralado (1971), de Steven Spielberg e Corrida com o Diabo (1975), de Jack Starrett.

No entanto, diferente dos filmes citados anteriormente, O Carro acrescenta ao enredo a temática sobrenatural, apresentando a própria máquina como uma espécie de serial killer. O cenário formado por paisagens quase desertas e as aparições do veículo em meio a nuvens de poeira compõem uma atmosfera digna dos melhores filmes horror. A origem diabólica do automóvel, cujo pôster americano alerta ser dirigido pelo mal, fica clara com o desenvolver da trama. Numa determinada cena, o veículo persegue mulheres e crianças que se abrigam num antigo cemitério. Curiosamente a máquina parece temer o solo sagrado e vai embora. A polícia, aos poucos, é obrigada a aceitar a sua natureza inexplicável e indestrutível.

A caracterização do automóvel, cujos faróis lembram olhos opressores e o ronco furioso do motor soa como uma espécie de rugido animal, é o principal destaque da produção. Em várias sequências, as imagens mostradas simulam como seria a visão do motorista (caso houvesse algum). Apesar dos vidros escuros, a fotografia é avermelhada e esfumaçada, como a visão de algum ser demoníaco.

Na verdade, o automóvel negro, que não possui placas ou maçanetas, nunca foi produzido de fato. Ele foi desenvolvido pela equipe do americano George Barris em cima de um Lincoln Mark III. Foram construídos no total seis automóveis, cinco em fibra de vidro e um em aço. Infelizmente, todos acabaram destruídos durante as seis semanas de filmagens. Um outro exemplar foi encomendado e confeccionado para a exposição nos museus da Universal Studios, mas acabou vendido na década de oitenta.George Barris é conhecido entre os colecionadores de veículos raros como “King of Kustomizers” e é responsável também pelo desenho de vários dos mais famosos automóveis da TV e do cinema. Entre as suas criações estão o Dodge Charger “General Lee” da série Os Gatões (1979), o Pontiac Trans-Am de A Supermáquina (1982), o DeLorean viajante do tempo de De Volta para o Futuro (1985) e o clássico Batmóvel da série de Batman (1966).

Um tubarão sobre quatro rodas possuído pelo demônio Pazuzu: esta era a definição do projeto proposto pelos produtores Marvin Birdt e Elliot Silverstein, tentando pegar uma carona nos sucessos de bilheteria de Tubarão (1975) e O Exorcista (1973). Apesar da premissa simples à primeira vista, mas absurdamente deliciosa e típica de filmes B (aliás, ideia que com o passar de três décadas seria explorada a exaustão, “possuindo” desde máquinas de passar, elevadores, camisinhas, brinquedos de todos os tamanhos e modelos, carros de todas as marcas, telefones e computadores entre outras bizarrices), a produção de O Carro é impecável e muito superior à maioria dos filmes “made for tv” dos anos 70. A direção, que ficou a cargo do competente Elliot Silverstein, responsável pelo clássico Western Um Homem Chamado Cavalo (1970), alguns episódios das séries Contos da Cripta (1991) e Além da Imaginação (1961), merece destaque. O cineasta tem, no mínimo, o mérito de arrancar momentos de tensão e suspense, mesmo a película sendo ambientada quase toda durante a luz do dia.

O roteiro foi escrito pela dupla Michael Butler e Dennis Shryack, vencedores do prêmio Spur Award de 1985 pelo western Cavaleiro Solitário (1985, dirigido e interpretado por Clint Eastwood). As semelhanças entre o enredo de O Carro e o de Christine, O Carro Assassino (1983), de Stephen King, não se limitam apenas ao campo das coincidências. O próprio mestre da literatura de horror admitiu ter sido influenciado pelo enredo de Butler e Shryack.


A fotografia de Gerald Hirschfeld, de Jovem Frankenstein (1974), é propositalmente desbotada e empoeirada, refletindo a beleza das paisagens rochosas do Parque Red Rock Canyon (localizado na Califórnia), que servem de cenário para o filme. A boa trilha sonora, composta por Leonard Rosenman (o mesmo de Corrida com o Diabo, 1975), acompanha a tendência dos thrillers setentistas, com aqueles trombones funestos “a la Tubarão”. O elenco também apresenta um desempenho acima da média, mesmo sem contar com nomes conhecidos. James Brolin, de Amityville – A Cidade do Horror (1979), interpreta um oficial típico de cidade pequena, que se vê obrigado a enfrentar um inimigo mortal e praticamente invencível. Ao elenco soma-se a bela Kim Richards (de Assalto ao 13° DP, 1976), John Rubinstein, John Marley e R.G. Armstrong.

O Carro (1977)
O Carro (1977)

Infelizmente existem as limitações características impostas pelo mercado da televisão, resumindo, as cenas de violência são muito contidas. Apesar dos diversos atropelamentos, acidentes e ciclistas jogados para fora da estrada, tudo acontece off-screen e não vemos uma gotinha de sangue sequer. E os marmanjões tarados de plantão também devem reclamar um pouco, pois nada de mulher pelada.Uma pequena curiosidade nos créditos é a citação de Anton La Vey, fundador da Igreja de Satanás, como consultor especial (La Vey já havia cedido parte dos seus “conhecimentos” em o ocultismo em O Bebê de Rosemary, de 1969). Obviamente apenas uma jogada publicitária, aproveitando a onda satanista em evidência na época. Sua única colaboração é uma espécie de invocação apresentada no prólogo:

“Oh poderosos irmãos da noite,
que cavalgam nos ventos quentes do inferno
e habitam o covil do diabo, movam-se e apareçam!”
Lamentavelmente, o filme nunca foi lançado no Brasil, nem em VHS e muito menos em DVD. Lá fora circulam duas versões digitais, uma distribuída pela Archor Bay e outra mais recente pela Universal.

Além do já citado Christine – O Carro Assassino, outros filmes viajaram num enredo parecido com o de O Carro. O mais similar e o que merece certo destaque é o segmento A Benção, parte da antologia Pesadelos Diabólicos (Nightmares, 1983). Na trama deste episódio um padre é perseguido por uma pickup preta após abandonar a batina. Em 1986, Charlie Sheen retorna a vida em busca de vingança possuindo um automóvel futurista em A Aparição (The Wraith, 1986). Já na década de 90 foram lançados Rodas da Morte (Wheels Of Terror, 1990) e O Carro da Morte (Black Cadillac, 1997), variações do mesmo tema de O Carro.

MELHORES MOMENTOS (contem SPOILERS)

A sequência inicial já nasce clássica. Nela, um casal de jovens ciclistas está passeando por uma estrada sinuosa (ao estilo daquela da abertura de O Iluminado, 1980), quando são surpreendidos por uma imponente buzina – o som das trombetas é o prenuncio do mal que está se aproximando. Sem piedade, o carro negro persegue os ciclistas e os empurra em direção a um enorme precipício.Num outro bom momento, o oficial Wade está em sua casa, recém chegado de um hospital onde se recuperava de um ataque do veículo. Ele vai até a sua garagem e vasculha as suas ferramentas em busca de algo que possa usar contra o carro assassino. O ambiente é escuro e quando ele se vira dá de cara com o carrão estacionado dentro de sua garagem. O policial não consegue compreender como ele teria entrado, mesmo com a porta trancada.

Outra coisa que chama a atenção é que o carro encapetado não poupa ninguém. Wade tem uma bela namorada, ou melhor, tinha. Num golpe baixo, o carro atropela e mata a namorada do oficial. Até aí nada de mais. O incrível é que ele a atropela a garota dentro de sua própria sala. O carro “salta” vários metros e praticamente destrói a casa de madeira, passando por cima da garota, que pensava estar segura dentro de casa. Muitos reclamam desta cena, já que parece inverossímil um carro saltar do chão. Mas pra um carro que anda por aí sem motorista matando todo mundo, nada é impossível.

Já o desfecho segue o padrão americano de filmes: dinamite, explosões e todo aquele exagero característico. Enquanto o carro é detonado por uma tonelada de explosivos, uma enorme nuvem de fogo e fumaça parece formar uma espécie de rosto maléfico nos céus do deserto.

Outra cena inesperada é mostrada durante os créditos finais. Mesmo após o carro ter sido explodido e soterrado, a câmera mostra uma movimentada auto-estrada. Vemos então as rodas do carro negro, viajando em direção a cidade grande, provavelmente em busca de novas vítimas. Um gancho para uma possível continuação que nunca aconteceu.

Enfim, vale ressaltar: se O Carro não é uma obra-prima (e obviamente que não é), pelo menos consegue executar com louvor o que se propõem seus produtores: divertir e entreter o espectador por 90 minutos.

Fonte Especial
BocadoInferno

Nenhum comentário:

Todos os direitos reservados ao nosso site , fontes usadas são colocadas nos finais das postagens. Imagens de tema por fpm. Tecnologia do Blogger.